Flamengo, cerveja e cigarro: 3 casos na noite do tricampeonato

Mengão ganhou o campeonato carioca. O Rio de Janeiro parou durante hora e meia, dois gols do Flamengo no primeiro tempo, dois do Botafogo no segundo. Vitória rubro-negra nos pênaltis, 5 a 4.

Eu estava na praia, em Ipanema, e só entrei no ônibus de volta na hora que o jogo estava começando. Cheguei na Lapa no intervalo, entrei no boteco com meu amigo Flavete para assistirmos ao segundo tempo e voltarmos pra casa. Na mesa ao lado, seis moças assistiam entusiasmadas à partida: quatro vestiam camisas do Flamengo, uma vestia a estrela solitária do Botafogo, e a sexta não vestia camisa de time. A maioria da clientela era flamenguista, mas alvinegr@s deviam ser entre 10% e 15% da audiência. Tudo na paz. Nenhuma briga, desentendimento, cara feia – nada.

Cheguei em casa, tomei banho, jantei, chequei e-mails, interagi pelo Orkut, falei com algumas pessoas pelo MSN, e acabaram-se os meus cigarros. Lá na rua, os carros passavam buzinando, pessoas comemoravam com gritos, hinos, bandeiradas, pandeiros e batuques, muito barulho. Por volta de 22h30 resolvi descer para comprar uma nova carteira de cigarros, antes que o bar da esquina fechasse.

1º caso
Eu estava ainda atravessando a rua quando um homem veio correndo em direção a um carro que saía no sinal recém-aberto. Ele batia na porta, como que mandando o motorista parar, e tentava impedir que a porta do carona se fechasse. Dentro do carro, uma mulher, e então percebi que ele tentava tirá-la de dentro do táxi, a essa altura já em movimento, acelerrando. O carro seguiu e o homem do lado de fora foi arrastado por alguns metros – nada de ferimentos graves, ele se soltou antes que o carro realmente acelerasse. Ralado do asfalto, rapidamente se levantou e saiu correndo atrás do táxi. Meu medo sempre é de alguém, no calor do momento, sacar uma arma e disparar – e por acaso a bala vir pro meu lado. Segui pro bar, enquanto o homem corria na direção contrária, atrás do táxi. Perguntei a algumas pessoas e descobri que foi uma briga de casal (bem, já dava para supor). A mulher encontrou motivo suficiente para dar uma mordida no beiço do seu par e arrancar-lhe o pedaço, cospir a carne fresca no chão e sair correndo. Em frente à porta, na calçada, gordas gotas de sangue ainda não absorvidas pelo cimento.

2º caso
Não tendo motivo nenhum para ficar na rua, trajando uma esdrúxula combinação de calça, vestido e bata e chinelos – fui sobrepondo à medida que o ventinho da janela foi esfriando – e tendo deixado meu amigo esperando no apartamento, rumei de volta a casa. Quando eu ia atravessando a (mesma) rua, me dei conta de uma outra confusão, dessa vez no bar da outra esquina. As crianças, cerca de 5 na faixa de 6 a 12 anos, diziam: olha! o pai da fulana tá fakdafhfajldhaundo…. (não entendi o que disseram). Olhei. Uma mulher estava estendida no chão, meio que se debatendo, apagada, e dois homens brigando entre si. Em dado momento, alguém se lembrou da mulher, botaram-lhe sal debaixo da língua, mexeram com ela, um dos homens a puxou pelo braço esquerdo, levantando-a como a um saco de batatas. Uma senhora com uma criança que devia ter uns 4 anos (se muito), veio com ver de perto o rosto da mulher caída, sempre segurando a criança pela mão. Imagino o que deve ter pensado a menininha de vestido de laço de fita, no meio daquela cena. A mulher conseguiu por fim ficar de pé, os homens continuaram trocando grunhidos entre si, e uma das crianças da esquina começou a chorar, muito. Poderia ser filha dela. Ou de um deles. A moça foi levada para casa. E eu me lembrei da Poli, que hoje à tarde, na praia, dizia que o Rio de Janeiro não é uma boa cidade para a formação de nossos filhos e filhas, que é melhor se formar (crescer, se criar) em outro lugar (Brasília, por exemplo) e só vir para cá já formad@. Concordo plenamente.

Depois de tentar entender o que havia acontecido, por cerca de 1 minuto parada na portaria do prédio e sem ter conseguido, subi.

3º caso

Voltei ao computador, à TV, ao amigo, à vida normal. Fumei um cigarro, assisti a mais um quadro do Fantástico, meu amigo se levantou umas duas vezes para verificar gritarias lá embaixo – é impressionante como ecoam e parece que estamos no primeiro andar, quando na verdade estamos no nono! Em determinado momento ouvi gritos de mulher e fui eu dessa vez à janela dizendo: ó, uma mulher está sendo arrastada pela rua. Eu estava enganada. Em plena Riachuelo, um carro parado no meio da faixa da direita, três homens tentando brigar no meio da rua. Um deles, muito branco, era o companheiro da mulher que gritava – usava a cabeça raspada, uma calça jeans clara e estava sem camisa. Os outros dois usavam camiseta, bermuda e mochila nas costas. O de camiseta laranja tentava acalmar os ânimos, junto com a mulher que gritava, e o de camiseta verde se afastava e voltava. Ele era o alvo do careca. Os dois esquentadinhos trocavam agressões verbais e ameaças físicas. O homem de jeans era o condutor do carro parado na pista, e bem maior que o rapaz de camiseta verde, e visivelmente (do nono andar) levaria vantagem numa eventual briga de murros e chutes. Aquele de laranja ainda tentou apartar, mandou o de verde ir embora, mas ele voltava e gritava e provocava ainda mais. Mandava vir pra cima, dizia: vem me matar então! Me mata, vem! Do nada, um outro homem de cabeça pelada chegou correndo por entre os carros que já se engarrafavam na rabeira daquele parado no meio da pista, e chegou “de com força”, partindo pra porrada. Até o de camiseta laranja apanhou, caiu no chão, levou um soco no rosto. Quando entendeu que o alvo era o verde, foram os dois carecas pra cima. Tive a impressão de serem neonazistas, mas como saber? Depois de estragarem o verdinho, entraram no carro e saíram sem cantar pneus, tampouco saíram em alta velocidade. Simplesmente foram, mais um carro no fluxo. Uma grande roda se formou em volta dos dois machucados. Lembrei-me da Legião Urbana: é sangue mesmo, não é merthiolate; todos querem ver e comentar a novidade: é tão emocionante um acidente de verdade…

Ficamos feito duas Fifis acompanhando o desfecho desse terceiro drama – estávamos em posição de camarote, vendo de cima, não muito longe, tampouco muito perto. A multidão se fechou em cima do machucado, o de laranja reapareceu de debaixo da marquise, mas o de verde ficou lá, parece que estava desacordado. Trouxeram gelo da lanchonete mais próxima para colocar nos machucados, que não devem ter sido qualquer ralada. Os dois carecas foram pra cima dele com força total. A guarda municipal chegou cerca de 20 minutos depois de tudo ter acontecido e levou os dois bermudeiros: o verde e o laranja. Espero que tenha sido para o hospital mais próximo.

Já passa de 1h da madrugada, e ainda há torcedores e torcedoras animad@s por aí. Já ouvimos outros muitos gritos depois dos 3 casos, mas nada que chamasse a atenção e despertasse o medo. Por enquanto.

E como diria o Gil: o Rio de Janeiro continua lindo…

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