Laura Bacellar faz retrospectiva de 2009

Faz tempo que não apareço por aqui, eu sei. Andei randomizando um bocado ultimamente, e o blog ficou meio deixado de lado. Até tentei começar um no Dykerama, mas não consegui escrever muito ultimamente. Aqui de onde me encontro, achei a retrospectiva que Laura Bacellar escreveu. Adorei. Há bastante mais para contabilizar, mas aí seria um almanaque. Acho importante reverberar as informações que ela recolheu, e então aqui está.

Leia sem moderação.

Retrospectiva 2009

Laura Bacellar relembra os fatos mais marcantes deste ano que termina

2009 foi um ano interessante para nós homossexuais. Vimos grandes sucessos em algumas áreas e inexplicáveis recuos em outras.

Um dos movimentos que me deixou feliz foi a continuação da onda de aceitação da diversidade pela sociedade brasileira. Em avanço tímido mas sempre na mesma direção, vemos cada vez mais paradas lgbt em nosso país, que aliás nesse quesito detém o recorde no Guiness de nação com mais paradas do orgulho do mundo. Em 2009 foram mais de 170!

Eu acho isso incrível, ainda mais porque fui das que suaram e se esforçaram horrores para que a parada de São Paulo crescesse e aparecesse. Quem sonharia, dez anos atrás, em ver paradas acontecendo em lugares distantes das grandes metrópoles como São José do Ribamar (MA), Pacaraima (RR), Cruz das Almas (BA), Formosa (GO) e por aí vai? É uma delícia perceber que, não importando as igrejas, os políticos retrógrados, os discursos preconceituosos, o povo brasileiro vai cada vez mais investindo na visibilidade das minorias e no reconhecimento da diversidade sexual, em todos os ricões desse nosso país enorme.

Na mesma toada vãos os juízes. Apesar de as leis federais serem sistematicamente colocadas na geladeira, cada vez mais a Justiça brasileira concede a transgêneros o direito de modificar o nome nos documentos; permite a casais homossexuais adotarem filhos; e reconhece a união de pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar, com os mesmos direitos que casais heterossexuais.

O retrocesso óbvio é que os políticos parecem não perceber isso e insistem em travar o reconhecimento oficial, legal, das mudanças que já se operam na sociedade, tendo o apoio dos setores mais reacionários do país. Basta vermos o projeto de lei da Câmara 122/06, que considera crime a discriminação por orientação sexual e provocou uma reação organizada dos religiosos, com uma chuva de mentiras sobre a “falta de liberdade de expressão” (como se ofender alguém fosse exercício de cidadania) e se arrasta no Senado. Talvez faça companhia ao projeto de lei de união civil, escondido sabe-se lá em qual gaveta política…

Sim, sim, alguém vai dizer que o Brasil detém também o recorde de homofobia, mas não é assim que interpreto a pesquisa encomendada pelo MEC sobre ações discriminatórias no âmbito escolar, lançada este ano. Fica claro que há sistemática discriminação de homossexuais, porém não maior do que de negros, pobres, deficientes físicos e mulheres! Ou seja, vivemos num país preconceituoso, que precisa passar por uma revisão radical de posturas em relação a todo mundo que não seja homem branco rico heterossexual. Mesmo assim, percebo mais mudanças positivas do que negativas.

O ano foi interessante também em nossos vizinhos da América Latina: o Chile, espantosamente, dá passos para o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, assim como a Argentina, que já tem leis específicas passadas em duas regiões. A Igreja católica faz o que pode e o que não pode para travar as mudanças, tendo conseguido impedir o primeiro casamento gay argentino, marcado para dezembro agora em Buenos Aires, mas parece que elas são inexoráveis. Quem diria que até mesmo em locais não especialmente conhecidos pela visibilidade das minorias, como a Colômbia, veríamos os direitos de casais do mesmo sexo legalizados?

Nosso grande irmão lá do Norte também passa pelas mesmas dificuldades de mudança e reação, avanço e resistência. O casamento gay foi aceito na Califórnia e no Maine no ano passado e depois revogado, para tristeza geral dos ativistas do mundo, que se organizaramm em campanhas ferozes este ano, como a NOH8. Mas uma lésbica assumida, Annise Parker, acaba de ser eleita prefeita de Houston, Texas, a quarta maior cidade dos EUA.

No lado também bom mundial vimos Milk, um filme lançado em Hollywood com diretor famoso – Gus van Sant – e astros no elenco – como Sean Penn –, falar de um gay assumido e ativista, ser assistido por milhões de expectadores e dar a Penn o Oscar de melhor ator. Aos poucos torna-se chique, e não mais suicida, abordar temáticas gays de maneira clara e simpatizante no cinemão americano.

A televisão norte-americana viu também o fim glorioso de The L Word este ano, série pioneira ao colocar lésbicas assumidas, bonitas e sensuais como protagonistas. Inesperado sucesso do canal Showtime, o seriado durou seis temporadas, projetou várias de suas atrizes para a fama, provocou histeria entre fãs das mais variadas nacionalidades (inclusive brasileiras) e mostrou que a televisão comporta projetos de sucesso abertos para a diversidade. Fica a óbvia pergunta: onde está o L Word brasileiro?

Aqui no Brasil vimos também a Editora Malagueta – eu não podia deixar de mencionar, podia? – lançar o primeiro romance de temática lésbica rural de nossas letras, o Shangrilá de Marina Porteclis, e promover a primeira conversa lésbica literária de Paraty, durante a Off Flip.

Como eu disse, apesar de ter sido um ano difícil e conturbado, parece ter caminhado mais na direção das luzes do que das trevas.

Você concorda?

* Laura Bacellar é editora de livros, atualmente responsável, juntamente com um grupo de mulheres, pela primeira editora lésbica do Brasil, http://www.editoramalagueta.com.br.